13 de ago de 2016 | 19:08
Manifesto antirruralista da Comissão Guarani Yvyrupa (CGY)

Nós, indígenas guarani de todas as aldeias de São Paulo, realizamos hoje mais um ato pacífico em defesa das nossas terras e dos nossos direitos, contra o ataque daqueles governantes dos brancos que insistem em nos dizimar. Fechamos agora a Avenida Pedro Alvares Cabral, que homenageia o primeiro branco que invadiu as nossas terras, para protestar contra a bancada ruralista, reunida agora nesta Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, enquanto defendem o fim das demarcações de terra indígena através da PEC 215, num palanque de ódio contra nossos povos e vários outros excluídos desta sociedade brasileira.

Nossa expectativa é desmascarar a farsa dos ruralistas, e terminar pacificamente nosso ato novamente em frente ao Monumento às Bandeiras, que homenageia aqueles que nos massacraram no passado.

Os ruralistas de hoje são os bandeirantes de ontem, e por meio da caneta querem nos matar como nos mataram no passado com suas armas de fogo. Têm o espírito dos bandeirantes aqueles que usam de seu poder para enriquecer e concentrar terras, enquanto nós povos originários continuamos nas beiras de estrada, espoliados de nossos tekoa, e grandes massas de excluídos seguem sem ter onde dormir, sem ter onde morar, sem ter onde plantar.

Enquanto os brancos homenageiam em estátuas, ruas e rodovias aqueles que nos mataram, seus governantes continuam encarnando o espírito dos bandeirantes. Pedro Alvares Cabral foi o primeiro ruralista. Muitos o sucederam. Tem o espírito dos bandeirantes, o juiz Clécio Braschi que determinou a reintegração de posse contra mais de quinhentos dos nossos parentes que habitam a Terra Indígena Jaraguá, em sua maioria crianças. Tem o espírito dos bandeirantes o Ministro que obriga nossos parentes do Mato Preto, no Rio Grande do Sul, a diminuírem suas terras em mais de oitenta por cento e zomba da dor dos parentes Terena, que tiveram um guerreiro que tombou na luta, enquanto paralisa as demarcações pelo país.

Estamos felizes hoje de contar com o apoio de outros movimentos sociais que defendem os excluídos, pois isso nos permite saber que não são todos os brancos que carregam o espírito dos bandeirantes. São muitos os que percebem que só quando esse espírito ruim for derrotado, teremos a vitória dos de baixo, dos povos humildes.

Aguyjevete ao Movimento Passe Livre, que desde o ano passado tem nos lembrado que “os barões do campo, são os mesmos barões das catracas”, e mais uma vez se somam conosco. Aguyjevete ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra de São Paulo, que vem agora se somar, pois os mesmos latifundiários que nos massacram nas florestas e no Congresso, são os que os massacram cotidianamente no campo. Aguyjevete ao Comitê Popular da Copa de São Paulo, que vem junto pra escancarar a todos que essa é a Copa dos Ruralistas, aliados de primeira hora das empreiteiras e mineradoras que enriquecem junto com a Fifa.

Com esse ato, chamamos a todos os de baixo, do campo ou da cidade, a todos os excluídos, para se juntarem em torno de uma Frente Antirruralista na luta para expurgar dessas terras o espírito dos bandeirantes, que comanda essa ilha desde a invasão de Cabral. Vamos mostrar que terra é pra todos que vivem dela!

No momento, reivindicamos:

– O imediato arquivamento da PEC 215, e de todas as medidas anti-indígenas que tramitam no Congresso dos ruralistas.

– O imediato arquivamento da Medida Provisória nº 636, a MP da Reforma Agrária, e de todas as propostas do Congresso dos ruralistas que criminalizam e enfraquecem aqueles que lutam pela reforma agrária e por justiça no campo e na cidade.

– A assinatura, pelo Ministro da Justiça, das portarias declaratórias das TIs Tenondé Porã e Jaraguá.

– A revogação ou desistência de todas medidas do Governo Federal que visam a paralização das demarcações de terra no país, em especial a Portaria 303/AGU e a Minuta de Portaria do Ministério da Justiça.

– A suspensão pelo Tribunal Regional Federal, da sentença de reintegração de posse emitida contra nossos parentes da Terra Indígena Jaraguá.

Aguyjevete pra todos que lutam!

MAIS INFORMAÇÕES

Sobre a PEC 215

Desde abril do ano passado, a PEC 215 tem sido motivo de uma onda de protestos por todo país, desde que um grupo de índios ocupou o Congresso Nacional para barrar o projeto. A proposta foi então tema de uma comissão paritária entre indígenas e parlamentares, que concluiu pela sua inconstitucionalidade e recomendou o seu arquivamento. O Governo Federal se posicionou contra a medida e juristas renomados como Dalmo Dallari e o próprio ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luis Roberto Barroso, já alertaram para a sua inconsistência jurídica. Em dezembro de 2013, no entanto, a bancada ruralista conseguiu a instalação de uma Comissão Especial para tratar do tema.

A audiência desta sexta-feira na Alesp é a última de série promovida pela Comissão Especial em várias regiões do país, e não conta com a participação de povos indígenas, organizações apoiadoras, e tampouco de especialistas na temática, como foi regra em todas já realizadas. O clima nas oitivas nos outros Estados foi tenso. Relatos de observadores que estiveram presentes na sessão ocorrida em Belo Horizonte (MG), por exemplo, testemunharam falas de pessoas contrárias à demarcação de terras, que chegam a tratar os índios por “vermes e vagabundos”, sem quaisquer reparos por parte dos parlamentares que coordenavam o evento.

O ato de hoje ocorre um dia depois que a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) divulga posicionamento público explicando porque nenhum dos povos indígenas do país se dispôs a participar e legitimar as referidas audiências, que já passaram pelos estados de Santa Catarina, Pará, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Bahia e Minas Gerais. A nota também é assinada pela Comissão Guarani Yvyrupa (CGY).

Sobre a Bancada Ruralista

Maior bancada no Congresso Nacional, com 162 deputados e 11 senadores (segundo reportagem da Carta Maior) sob a sigla de Frente Parlamentar da Agropecuária, a chamada bancada ruralista representa os interesses de empresas e proprietários de terra no país, um negócio que movimenta R$440 bilhões entre a produção agrícola e pecuária. Os parlamentares da bancada ruralista, muitos dos quais são também grandes proprietários de terra e tiveram suas campanhas financiadas por empresas ligadas ao setor, estão vinculados a diversas propostas legislativas que restringem os direitos dos índios e criminalizam a reforma agrária.

O site “A República dos Ruralistas” (www.republicadosruralistas.com.br) reúne informações sobre financiamento de campanha, patrimônio e ocorrências judiciais dos principais deputados e senadores que compõem a bancada e revela quais propostas apoiam ou rechaçam.

Através do site podemos saber, por exemplo, que o Deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), o mesmo que foi flagrado em vídeo conclamando grandes proprietários a se organizarem através de suas redes de contatos para reunir “verdadeiras multidões” e expulsar “do jeito que for necessário” os que ousarem pisar em suas terras, votou a favor das mudanças no Código Florestal e contra a PEC do Trabalho Escravo.

Outro que teve seu perfil divulgado no site é o Deputado Luiz Carlos Heinze (PP-RS), que considera índios, negros e homossexuais “tudo o que não presta” em nossa sociedade. Heinze também foi contra a PEC do Trabalho Escravo e trabalha intensamente contra as demarcações de terras indígenas. Curiosamente o deputado teve sua campanha em 2010 financiada por empresas como a Bunge Fertilizantes S/A, a Camil Alimentos S/A, Seara Alimentos S/A, dentre muitas outras gigantes do agronegócio. Senadores como Kátia Abreu, e Blairo Maggi também tem seu perfil apresentado no site.

Demarcação das Terras Indígenas (TI) na Grande São Paulo: TI Jaraguá e TI Tenondé Porã

A população guarani que reside na Grande São Paulo distribui-se hoje em 6 aldeias, que fazem parte de duas Terras Indígenas (TI) atualmente em processo de regularização fundiária.

Duas delas, denominadas Aldeia Ytu e Aldeia Pyau, localizam-se no Pico do Jaraguá e compõem a Terra Indígena Jaraguá. Nelas residem cerca de 700 guarani. A TI Jaraguá foi reconhecida inicialmente na década de 1980, mas foi então regularizada com apenas 1,7 hectare, configurando-se como a menor terra indígena do país. A aldeia Pyau fica fora dessa área e atualmente há uma decisão judicial vigente, que determina o despejo dos Guarani que ali habitam. A falta absoluta de espaço é o detonante de inúmeros problemas sociais e culturais. A situação dos guarani do Jaraguá foi extremamente agravada pela construção da Rodovia dos Bandeirantes, inaugurada em 1978 sem qualquer consideração à presença indígena. A estrada suprimiu parte de suas áreas de ocupação tradicional.

Em 2002, por fruto da luta das lideranças indígenas, iniciou-se um processo para correção dos limites do território, para adequá-la aos padrões da Constituição de 1988. Finalmente, no dia 30 de abril de 2013, a Fundação Nacional do Índio (Funai) aprovou e publicou no Diário Oficial da União (Portaria FUNAI/PRES No 544) os resultados dos estudos técnicos que reconhecem cerca de 532 hectares como limites constitucionais da Terra Indígena Jaraguá, incluindo as duas aldeias atualmente ocupadas, e as áreas necessárias para a reprodução física e cultural do grupo.

De acordo com o Decreto Presidencial nº 1775, que regulamenta o processo de demarcação de Terras Indígenas no país, abre-se, a partir da publicação desses estudos, período de 90 dias para que os interessados apresentem contestações administrativas. Após esse período, já encerrado, cabe ao Ministro da Justiça publicar uma portaria declaratória que permite iniciar o processo de indenização dos ocupantes não indígenas para devolver as áreas ao usufruto exclusivo das comunidades indígenas. A assinatura dessa portaria é uma das reivindicações dos guarani.

As outras quatro aldeias localizam-se no extremo sul da metrópole, na beira da represa Billings, duas delas em Parelheiros (Aldeia Barragem e Aldeia Krukutu), uma próxima ao distrito de Marsilac (Tekoa Kalipety) e a última em São Bernardo do Campo (Aldeia Guyrapaju). As duas primeiras haviam sido reconhecidas também na década de 1980, com uma superfície de cerca de 26 hectares cada. Atualmente com uma população de cerca de 1.400 pessoas distribuídas entre as quatro aldeias, as áreas reconhecidas na década de 1980 tem uma densidade populacional crítica de 26 pessoas por hectare, o que também é causa da maioria dos problemas pelas quais enfrentam os Guarani.

Por isso, também após a reivindicação das lideranças, iniciou-se em 2002, um estudo para a correção desses limites, de acordo com os parâmetros constitucionais. Dez anos depois, em 19 de abril de 2012, a Funai também aprovou e publicou no Diário Oficial da União (Portaria FUNAI/PRES No 123) os resultados dos estudos técnicos que reconhecem cerca de 15.969 hectares como compondo os limites constitucionais da Terra Indígena Tenondé Porã, que abrange essas três aldeias da região sul. O processo agora também está nas mãos do Ministro da Justiça, de quem os Guarani reivindicam a publicação imediata da Portaria Declaratória da TI Tenondé Porã.

Processo de Reintegração de Posse contra os Guarani da aldeia Pyau, da Terra Indígena Jaraguá

Desde 2002, os Guarani disputam na justiça a posse da área da aldeia Pyau, onde habita a maioria dos moradores da TI Jaraguá. Dois particulares reclamam reintegração de posse contra os índios desde esse período, alegando terem títulos de propriedade sobre a área. Não há registro, entretanto, de que esses particulares tenham algum dia habitado o local, que os Guarani consideram de seu uso tradicional.

Embora a FUNAI tenha reconhecido a área como parte da Terra Indígena Jaraguá, em 2013, pesou contra os índios uma decisão de reintegração de posse, emitida na primeira instância da Justiça Federal de São Paulo, pelo juiz Clécio Braschi. Foram apresentadas apelações contra a decisão tanto pela FUNAI, através da procuradoria especializada da Advocacia Geral da União, como pelo Ministério Público Federal. O juiz recebeu as apelações apenas com efeito devolutivo, mantendo a sentença de reintegração de posse, e estipulando o prazo de 30 dias para saída pacífica da comunidade, prazo que já está correndo. O processo foi então encaminhado para o Tribunal Regional Federal da 3ª Região, a quem cabe decidir sobre as apelações apresentadas. Segundo o Artigo 231 da Constituição Federal, são considerados nulos e extintos todos os atos administrativos que envolvem a posse de terras tradicionalmente ocupadas por indígenas. Deste modo, emissão da Portaria Declaratória da Terra Indígena Jaraguá pelo Ministro da Justiça tornaria nulos os alegados títulos dos particulares que disputam em juízo a área ocupada pelos Guarani.