A área onde se encontra a Terra Indígena Jaraguá é uma ocupação tradicional do Povo Mbya Guarani, com demarcação regularmente reconhecida pelo Estado Brasileiro, circundada por vasto número de espécies nativas da Mata Atlântica, bioma cuja proteção é prioritária. Ao lado da terra indígena, encontra-se outro terreno (matrícula nº 253.069), adquirido pela construtora Tenda, onde deu-se início a construção de um megaempreendimento imobiliário, o qual, de acordo com o projeto apresentado, será composto de 800 unidades de apartamentos para venda.
No final do mês de janeiro, a construtora realizou desmatamento de aproximadamente 80% da reserva de Mata Atlântica que se encontrava no local. Foram derrubados quase 500 espécimes arbóreas, entre exóticas, nativas, raríssimas, sendo muitas delas em extinção e sagradas para o povo Mbya Guarani.
Cientes dos direitos indígenas e ambientais que protegem e regulam aquela área, o do avanço do desmatamento ilegal promovido pela construtora, os Mbya Guarani decidiram ocupar o local no qual as obras do empreendimento já havia sido iniciadas. Neste sentido, destaca-se que a ocupação sempre teve como expresso objetivo ser um ato de protesto pacífico contra as violações à constituição federal e à legislação que asseguram o dever de haver consulta livre, prévia e informada às comunidades indígenas, bem como o dever de haver licenciamento ambiental que contenha o componente indígena, ambos absolutamente ausentes em todas as etapas do empreendimento da Tenda.
O empreendimento não atende a exigências legais necessárias para sua execução, na medida em que o Estudo de Impacto Ambiental e seu Relatório de Impacto Ambiental (EIA-RIMA) não trouxeram o chamado Estudo do Componente Indígena (ECI), de acordo com o que determina a Portaria Interministerial nº 60, de 24 de março de 2015, bem como, a Instrução Normativa nº 02, de 27 de março de 2015. A exigência do ECI se dá nos casos em que há afetação direta ou indireta de comunidades indígenas que vivam nas proximidades de empreendimentos como aquele que a construtora Tenda pretende construir.
A presença tradicional do povo indígena é reconhecida no local e a ausência do ECI é o bastante para que não se leve a cabo a execução do empreendimento. Ainda, conforme já explicitado, se trata de área com vasta presença de floresta, que é, especialmente, sagrada para a etnia Mbya Guarani, sendo necessária para manutenção espiritual e material deste povo, o que atrai, novamente, aspecto constitucional à questão, por conta do disposto no artigo 231 da Constituição Federal.
A Convenção 169 da Organização Mundial do Trabalho (OIT), que também garante às populações indígenas o direito de serem consultadas quando da realização de empreendimentos que impactem seu modo de vida, no caso em questão, tampouco foi respeitada. Demais disso, há possíveis irregularidades ambientais na execução do projeto por incompatibilidades com o determinado pela Zona de Amortecimento do Parque Estadual do Jaraguá e desacordo com o Plano de Manejo e Lei Federal do SNUC 9.985/2000 (Sistema Nacional de Unidades de Conservação).
A comunidade Mbya Guarani desmobilizou a ocupação em 10 de março, na data da execução da ação de reintegração de posse e também passou a evitar grandes movimentações por respeito às determinações de isolamento social, buscando a prevenção de contágio do Corona Vírus, COVID-19. A comunidade permanece, desde então em suas aldeias, acompanhando as ações da empreiteira e lutando pela garantia de seus direitos e da natureza no Poder Judiciário.