14 de jun de 2022 | 20:06
Povos indígenas querem implementação de Diretrizes Curriculares para a Educação Escolar Indígena em São Paulo (SP)

Proposta, protocolada nesta quarta (15/6), foi construída em grupo de trabalho de professores e lideranças indígenas dos povos Guarani, Tupi-Guarani, Krenak, Kaingang e Terena

por Tatiane Klein (CGY)

Na última semana, lideranças, comunidades e professores indígenas em São Paulo alcançaram um feito inédito: apresentar sua própria proposta de diretrizes curriculares para a educação escolar indígena no estado. Agora, a expectativa é que o documento, protocolado nesta quarta-feira (15/6), caminhe para a implementação pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo (Seduc-SP).

Realizada na Procuradoria Regional da República da 3ª Região (PRR-3), a reunião de apresentação das diretrizes foi mediada pelo Ministério Público Federal (MPF) e contou com a presença de mais de cem lideranças e professores indígenas dos povos Guarani, Tupi-Guarani, Krenak, Kaingang e Terena – articulados por meio do Fórum de Articulação dos Professores Indígenas do Estado de São Paulo (Fapisp) –, representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e de diferentes coordenadorias da Seduc-SP. 

Também participaram do evento representantes das organizações indígenas Comitê Interaldeias, Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ArpinSudeste), Conselho Estadual dos Povos Indígenas (Cepisp), além de caciques e lideranças comunitárias de todo o estado, que apoiam a proposta e se reuniram para discuti-la entre 5 e 7 de junho, na Terra Indígena (TI) Tenondé Porã. 

Marcos Tupã, liderança guarani que participou da Constituinte em 1988, lembrou que a lei maior e outros regulamentos já garantem os direitos específicos que as diretrizes indígenas recuperam, mas que há muito tempo eles aguardam efetivação: “Agora queremos que nossas escolas sejam de fato diferenciadas. Esse sonho vai virar uma realidade para nossas crianças, nossos anciões, caciques, pais. Implementação já!”

Apesar dos apelos pela implementação, o movimento indígena saiu da reunião sem um posicionamento sobre a proposta, já que o novo secretário de Educação, Hubert Alquéres, não compareceu à apresentação – mesmo tendo sido convocado. “A gente acha uma falta de respeito o secretário de Educação não estar presente aqui”, criticou o professor tupi-guarani Cristiano Awá Kirindju, que também é liderança na Aldeia Renascer, em Ubatuba (SP).  

Instados pelo procurador da República Steven Shuniti Zwicker a se manifestarem sobre as diretrizes, os técnicos da Seduc que compareceram ao evento prometeram atenção à pauta, mas afirmaram que a implementação vai depender da revisão técnica por todas as coordenadorias da pasta e, em seguida, por sua Consultoria Jurídica. O compromisso firmado com o MPF foi que, após o protocolo, a Secretaria terá quinze dias para constituir um grupo de trabalho para avaliar o documento e apresentar respostas em nova reunião, no dia 4 de agosto.

Vamos criar um novo sistema!”

A apresentação foi conduzida pelo grupo de trabalho de professores e lideranças indígenas responsável pela construção das diretrizes curriculares estaduais. “Nós que trabalhamos nas nossas comunidades é que sabemos como devemos trabalhar com nossos alunos. Nós que moramos em nossas comunidades é que sabemos do nosso modo de viver”, compartilhou Zélia Luiz, professora do povo Terena, que vive na aldeia Erekuá, na TI Araribá, e participou dos quatro módulos de elaboração das diretrizes, entre outubro de 2021 e maio de 2022.

Já Cristine Takuá, educadora que vive na TI Ribeirão Silveira, litoral norte do estado, pontuou inúmeros exemplos de como o direito indígena à educação diferenciada vem sendo violado em São Paulo. “Como um sistema não entende, não aceita, não homologa um calendário específico e diferenciado? Então vamos criar um novo sistema! Se existe uma lei que diz que pode, por que o sistema diz que não pode?”, questionou.

“Nós queremos que a educação seja de acordo com o nosso direito, de acordo com as necessidades específicas de cada aldeia. É por isso que nós temos essa proposta de diretrizes curriculares”, destacou o professor guarani Saulo Ramires, da TI Amba Porã, no Vale do Ribeira, lembrando que as diretrizes são um esforço para inverter o modo como as políticas de educação costumam chegar às escolas indígenas – sem diálogo com as comunidades. 

A própria construção das diretrizes curriculares foi iniciada pelo Centro de Inclusão Educacional (CINC) da Secretaria de Educação, que promoveu diversas reuniões online das quais poucos professores e lideranças conseguiram participar efetivamente. Os povos indígenas só conseguiram tomar as rédeas do processo após negociação, com apoio do MPF, para que a escrita do documento acontecesse em suas aldeias e de modo presencial. 

Projetado no evento e difundido nas redes sociais, o vídeo “Por que construímos nossas próprias diretrizes para a Educação Escolar Indígena em São Paulo?”, traz as vozes de outros professores participantes para resumir os principais pontos da proposta – que prevê, entre outros, formação específica e diferenciada aos profissionais da educação indígena; alimentação escolar adequada aos hábitos alimentares de cada povo; além da criação de uma Diretoria de Ensino Indígena (DEI).

A reunião também foi marcada pela posse dos representantes indígenas e não indígenas do Núcleo de Educação Indígena (NEI), da Seduc-SP. O órgão, responsável pelo acompanhamento das políticas de educação escolar indígena no estado, não se reunia há mais de dois anos.

Saiba mais

Minuta das Diretrizes Curriculares Estaduais para a Educação Escolar Indígena

Carta de apresentação da proposta formulada pelo Fórum de Articulação dos Professores Indígenas do Estado de São Paulo (Fapisp)