Documento avalia como supressão de medidas de proteção podem incentivar desmatamento e acelerar impactos socioambientais de investimentos e de empreendimentos
Por Assessoria da CGY
Está em tramitação no Congresso Nacional a Medida Provisória (MP) 1.150/2022, transformada em Projeto de Lei de Conversão (PLV) 6/2023, que pode impactar negativamente a legislação de proteção do bioma Mata Atlântica e afetar os compromissos da sociedade brasileira com a pauta ambiental e os direitos dos povos indígenas, em especial, do povo Guarani.
A Mata Atlântica é uma das florestas mais biodiversas do planeta, e também é uma das mais ameaçadas, restando apenas 12,4% da sua área original, atualmente em fragmentos, devido a uma intensa ocupação por populações não indígenas. O bioma compõem-se de lugares que estão entrelaçados em todas as dimensões da vida do povo Guarani, sua história, memória, sabedoria, saúde física e espiritual, sendo indissociável de suas condições de existência.
O risco de aprovação de medidas que fragilizam as regras de contenção do desmatamento das áreas remanescentes de vegetação do bioma Mata Atlântica com grande ameaça à biodiversidade e os possíveis impactos às terras guarani, estimulou a elaboração da nota técnica “Sobre a Medida Provisória (MP) 1.150/2022 – Projeto de Lei de Conversão (PLV) 6/2023, e as alterações que prevê para a Lei 11.428/2006 (“Lei da Mata Atlântica”)”, lançada pela Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) nesta sexta-feira (14).
No documento, a CGY esclarece que a motivação do povo Guarani em analisar a MP é a de proteger a Mata Atlântica da destruição e resguardar os territórios de ocupação tradicional, que hoje são alguns de seus maiores protetores, considerando que grande parte das terras guarani ainda não foram regularizadas como Terra Indígena (TI), e que onde a posse indígena foi restabelecida, as comunidades enfrentam cenários de degradação ambiental de solo e cobertura vegetal decorrentes da expansão urbana e de usos anteriores.
Leia a Nota Técnica na íntegra
A proposta original de regularização ambiental foi apresentada pelo governo Bolsonaro ao Congresso Nacional no final de 2022, prevendo a alteração da Lei 12.651/12 (“Código Florestal”) quanto aos prazos para adesão por propriedades rurais ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), assim como uma concessão de anistia a crimes ambientais relacionados a desmatamento cometidos antes de julho de 2008.
Em sua tramitação na Câmara dos Deputados, foram incluídas emendas que propõem alterações na Lei 11.428 de 2006, a chamada “Lei da Mata Atlântica”, que estabelece as medidas de proteção do bioma.
Os trechos incluídos pela Câmara foram rejeitados pelo Senado, fazendo o projeto retornar à Câmara, onde a deliberação do Senado foi ignorada e os trechos que viabilizam o desmatamento do bioma foram colocados novamente no texto do projeto de lei pelos deputados.
Na sequência, o texto seguiu para o Palácio do Planalto, e o Presidente Lula, ao sancionar a MP, vetou os trechos relativos à Mata Atlântica, devolvendo o projeto ao Congresso, onde a parte com os vetos será analisada.
Na prática, as emendas incluídas na Câmara pretendem flexibilizar as regras de proteção da Mata Atlântica, facilitando o desmatamento, com a autorização da supressão de vegetação primária e secundária em diferentes estágios de regeneração, e terão como consequência o aumento do desmatamento e de impactos socioambientais de empreendimentos.
Entre essas alterações, está a tranferência dos estados para os municípios exclusivamente da competência para decidir sobre supressão e exploração de vegetação, sem participação de órgãos estaduais e federais e sobre parcelamento de solo (loteamento) e edificações; permissão de instalação de novos empreendimentos lineares (linhas de transmissão, de abastecimento e gasodutos), em áreas de domínio e servidão de empreendimentos existentes com isenção de compensação; dispensa da exigência de realização de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) para a emissão da licença de supressão de vegetação para implantação ou ampliação de empreendimentos lineares; possibilidade de compensação ambiental em município diferente daquele onde houve supressão de vegetação e a possibilidade de compensação de corte, supressão e uso que afetem a vegetação em áreas de proteção permanente (APP)
A CGY considera que as modificações introduzidas na MP 1.150/2020 representam grande risco para as áreas remanescentes da Mata Atlântica e potencial impacto para Terras Indígenas (TI), territórios de comunidades quilombolas e demais populações tradicionais, bem como Unidades de Conservação (UC) e Áreas de Proteção Permanente (APP), entre parques e reservas, além de áreas zonas de amortecimento de UCs e de empreendimentos já existentes.
A análise é a de que “a supressão das medidas poderão estimular o aumento do desmatamento, com a baixa regulação ambiental e a aceleração dos processos de licenciamento ambiental de empreendimentos capazes de desencadear um fluxo desenfreado de investimentos, aumentando exponencialmente os impactos socioambientais de empreendimentos novos e já existentes”, conforme trecho do documento da CGY.
Nesse sentido, a nota técnica reafirma a necessidade de serem mantidos os vetos presidenciais sobre o tema na MP, alertando sobre o vínculo entre os biomas e os modos de vida dos povos indígenas e a grave ameaça à biodiversidade.