Por Comissão Guarani Yvyrupa
A CGY recebeu com pesar a notícia de mais um assassinato de Kaiowá e Guarani cometido por pistoleiros e policiais em Mato Grosso do Sul.
Expressamos nossa solidariedade e apoio à luta dos nossos parentes Kaiowa e Guarani, exigindo justiça pelo assassinato a tiros do jovem indígena Neri Kaiowá de 22 anos e ferimento de uma mulher em uma ação policial na Terra Indígena Ñanderu Marangatu, no município de Antônio João (MS), ocorrido na manhã de hoje. No mesmo local também foram assassinados Simão Vilhalva, em 2015, Dorvalino Rocha, em 2005, e Marçal Tupã, em 1983, e a comunidade já vinha sob ataque desde a manhã da última quinta-feira (12/9).
Os relatos dos parentes kaiowá e guarani e apoiadores dão conta de um ataque paramilitar coordenado, que inclui disparos de arma de fogo e a destruição de habitações, como barracos. Durante o conflito, houve intervenções que resultaram na retenção e remoção do corpo da área pelos fazendeiros em colaboração com policiais. A ocorrência se deu em momentos de ausência da equipe da Força Nacional de Segurança Pública.
No território kaiowa e guarani, além do histórico confinamento forçado em pequenas áreas cercadas por fazendas, o conflito de terras é agravado por uma espiral de violência, marcada presença de jagunços contratados e pela participação direta das forças de segurança pública tem casos de graves violações de direitos humanos. Ataques, assassinatos, massacres são recorrentes, e a convivência entre empresários, políticos, juízes e grupos paramilitares perpetua uma série de ilegalidades, tornando a realidade dessas comunidades ainda mais crítica.
O povo Guarani enfrenta uma enorme pressão sobre seus territórios e uma escalada de violência, que conformam uma verdadeira crise humanitária, nas regiões sul e centro-oeste do país, especialmente em Mato Grosso do Sul e Paraná. Em ambos os contextos, o agronegócio monocultor catalisa conflitos fundiários violentos e a devastação das terras indígenas, em razão da exploração predatória de alto impacto socioambiental. Além disso, a saúde das comunidades é ameaçada pela contaminação do solo e das fontes de água, decorrentes do uso massivo de agrotóxicos nas lavouras e da aplicação intencional sobre as aldeias.
A demarcação da TI Ñanderu Marangatu foi homologada pela Presidência da República em 2005, e posteriormente suspensa por força de uma decisão judicial em favor dos fazendeiros. Desde então, os Kaiowa e Guarani lutam para restabelecer a sua posse na terra.
Igualmente e ao mesmo tempo, as comunidades Ava Guarani na Terra Indígena Tekoha Guasu Guavira, no oeste do Paraná, enfrentam uma escalada de violência, acumulando-se os casos de ataques a aldeias com feridos a tiros e fogos de artifício, incêndios, cercos, aldeias destruídas e até pilhagens e alimentos saqueados, em incursões organizadas por fazendeiros e arregimentação da população local. Desde dezembro de 2023 já foram cerca de dez ataques, atingindo as aldeias Y’hovy, Yvyjy Avary, Arakoẽ, Tata Renda, Ara Poty, Taturi, e na última sexta-feira (13/9), foi atacada a comunidade da tekoha Jevy, município de Guaíra.
As agressões ocorrem logo após a Missão de Direitos Humanos de uma comitiva de solidariedade composta por diversas organizações de direitos humanos, indigenistas, movimentos sociais e parlamentares realizada na região na última semana em parceria com o governo federal, representantes do Ministério dos Povos Indígenas e do Congresso Nacional, percorreram os dois estados.
Estes episódios têm a feição de uma ofensiva orquestrada em resposta direta às ações para a efetivação dos direitos indígenas, e retaliações às comunidades por lutarem por seu direito de retorno a seus territórios de ocupação tradicional de onde foram expulsas.
É preocupante que sequer a presença ostensiva de forças de segurança e outros órgãos de estado, inclusive câmaras de conciliação judicial, e de entidades da sociedade civil organizada, não tem conseguido fazer frente aos ataques e alcançar a cessão da violência.
Os povos indígenas vêm alertando à sociedade brasileira quanto ao aumento da violência contra comunidades em consequência da Lei 14.701, que pretende estabelecer um marco temporal para a demarcação de Terras Indígenas mesmo após o STF ter declarado esta tese inconstitucional.
A gravidade e urgência da crise humanitária do povo Guarani exige atenção e a tomada de medidas de segurança urgentes de enfrentamento à violência organizada e de avanço na regularização fundiária, que é a forma mais fundamental de pacificação do conflito, uma vez que é justamente a indefinição no reconhecimento dos direitos indígenas por parte do estado o que alimenta a tensão e expõe as comunidades a risco, além de garantir a impunidade dos agressores.
Junto com a Aty Guasu – Grande Assembleia do Povo Kaiowa e Guarani, exigimos a situação exige empenho e respostas completas para a concluir a demarcação da TI Ñanderu Marangatu, e assim avançar no reconhecimento dos direitos originário e na promoção de reparações pelos danos causados historicamente no processo de expropriação territorial.