Encontro que marcou o fortalecimento das mulheres na organização elegeu coordenações para os próximos três anos
Rafael Nakamura (CTI) e Tatiane Klein (CGY)
Na última semana a Comissão Guarani Yvyrupa (CGY) realizou sua 9ª Assembleia Geral e elegeu sua nova coordenação para os próximos três anos. Reunindo cerca de 800 pessoas de comunidades do povo Guarani de todos os estados do sul e sudeste do Brasil, e lideranças do Pará e Mato Grosso do Sul, a CGY elegeu 45 lideranças à coordenação, sendo 36 coordenadoras e coordenadores regionais, doze estaduais e quatro tenondé. Leia a carta final do encontro.
O lugar de encontro foi a aldeia Takuari, no município de Eldorado, na região do Vale do Ribeira, estado de São Paulo. Foi também no Vale do Ribeira que, há 16 anos, em 2006, a CGY foi fundada em uma grande assembleia na aldeia Peguaoty. De lá pra cá, a CGY vem construindo seu caminho como principal organização indígena na defesa dos direitos territoriais do povo Guarani.
“O objetivo da CGY é a luta pela terra. Foi assim a partir do momento que começamos a perder nosso território. A gente teve muitas etapas nessa construção da organização política da CGY e eu vejo que os xeramõi, xejaryi kuery [anciãos e anciãs] trouxeram para nós um planejamento de vida. Trouxeram esse planejamento de vida de como eles querem que a gente continue sendo dentro dos nossos territórios, dentro da yvyrupa. De como temos que nos manter como povo Guarani mesmo com essas dificuldades, com essas políticas que vêm de cima pra exterminar nosso povo”, conta Eunice Antunes Kerexu Yxapyry, liderança da Terra Indígena Morro dos Cavalos, no município de Palhoça, em Santa Catarina. Kerexu fez parte da Coordenação Tenondé nos últimos três anos e na 9ª Assembleia Geral foi eleita para seguir na coordenação regional Litoral de Santa Catarina.
Uma novidade na estrutura da organização, é que a assembleia geral aprovou a criação de um setor de articulação das mulheres, formado por quatro lideranças. Após realizar em 2021, onze encontros regionais de mulheres guarani, que terminou com um grande encontro nacional, a 9ª Assembleia Geral da CGY contou com forte participação de kunhangue. O aumento da participação das mulheres em instâncias de decisões políticas e o combate às violências de gênero nas aldeias se tornou uma das frentes de atuação da CGY e refletiu na escolha da nova coordenação. Na nova gestão serão treze coordenadoras regionais, duas estaduais e uma coordenadora tenondé.
“Contamos com a sabedoria das lideranças que abriram essas picadas pra mostrar esse caminho, pra que a CGY conseguisse chegar nesse momento inteira, com participação das mulheres, dos jovens, dos xeramõi, xejaryi kuery, de todo mundo que está aqui participando”, comenta Eunice Kerexu.
“Esse encontro fortalece a nossa coletividade, a forma de pensar do Guarani. Todas as escalas de valores estão sendo representadas: xeramõi, xejaryi, mulheres, jovens, todos estão presentes”, comenta Timóteo Verá Tupã Popygua, liderança da aldeia Takuari, que sediou o encontro, e um dos quatro eleitos para a coordenação tenondé da CGY.
A juventude também ganhou espaço. Durante a assembleia, uma plenária de jovens levantou propostas para que a CGY incluísse a juventude em sua estrutura, acompanhando as lideranças mais experientes para que se formem politicamente. A CGY conta agora com um grupo de jovens que acompanhará a atuação das coordenações regionais, estaduais e tenonde, além de coletivos locais de jovens. Além disso, em 2021 a CGY realizou seu primeiro encontro nacional de comunicadores, constituindo uma rede formada pelos mais jovens que atuam no registro e divulgação das ações pela yvyrupa.
A luta no papel
Durante todo o encontro, as falas das lideranças do povo Guarani também traziam preocupações com o atual cenário político de ataques aos direitos dos povos indígenas. Desde o início do governo Bolsonaro em 2018, os mais de 133 processos ainda sem providências ou pendentes de demarcação de Terras Indígenas de uso exclusivo dos Guarani foram paralisados.
A paralisação dos processos de demarcação causou ainda mais insegurança jurídica para os conflitos fundiários em terras guarani. Atualmente a CGY monitora mais de 900 processos judiciais e administrativos por meio de sua assessoria jurídica.
“A CGY vem segurando todo os processos judiciais, nos fortalecemos para segurar as duas pandemias, uma da Covid-19 e a outra o atual governo, que afetaram os povos indígenas”, diz Celso Japoty Alves, liderança da Terra Indígena Ocoy, no município de São Miguel do Iguaçu, eleito coordenador estadual da CGY pelo Paraná.
A 9ª Assembleia Geral da CGY também recebeu parceiros de organizações indigenistas e do movimento indígena. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) esteve representada por Sônia Guajajara no encontro. Para as próximas semanas, a Apib convocou o Acampamento Terra Livre (ATL) em Brasília, momento em que lideranças indígenas de todo o Brasil se reúnem para fazer frente às agendas anti-indígenas em discussão nos três poderes da república.
Uma das organizações de base da Apib, em 2021 a CGY levou para o ATL o maior número de delegações guarani já vistas nos acampamentos em Brasília. Para as lideranças da CGY, isso reflete uma maior articulação nas bases a respeito dos temas da política nacional.
“Saímos fortalecidos trazendo as discussões políticas para a assembleia. A política do kuaxia para [papel], no papel que escreve as leis, esclarecemos aqui para os xeramõi, xejaryi, kunhangue, avakue, kunumigue [anciãos, anciãs, mulheres, homens e jovens], mostramos como funciona para saber como vamos lutar. O que estamos fazendo aqui é uma luta, mas precisamos estar em outros lugares. O PL 191 [Projeto de lei 191/2020] da mineração em terras indígenas, o julgamento do Marco Temporal [Recurso Extraordinário com repercussão geral (RE-RG) 1.017.365 no Supremo Tribunal Federal], tudo isso estamos trazendo aqui para nossas discussões, para todo mundo se mobilizar. Eu vejo que essas discussões não ficam só aqui, elas vão para as bases e lá nos articulamos”, comenta Eunice Kerexu.
Em Brasília e por toda a yvyrupa, com a nova coordenação eleita, a CGY seguirá encarando os desafios para garantir que o povo Guarani siga seu guata porã, o belo caminhar iniciado pelos que habitaram essas terras no início do mundo.
Conheça as novas coordenações
Coordenação tenondé
Juliana Kerexu Mirim Mariano (PR), Julio Garcia Karai Xiju (RJ), Timoteo da Silva Vera Potygua (SP) e Arnildo Vera Moreira (RS)
Coordenações estaduais
Juliana Kerexu Mirim Mariano e Celso Jopoty Alves (PR); Julio Garcia Karai Xiju e Amarildo Karay Mirim Yapua Nunes de Oliveira (RJ); José Benites e Elizete Antunes (SC); Timoteo da Silva Vera Potygua e Tiago Honório dos Santos (SP); Arnildo Vera Moreira e Claudio Acosta (RS); Rodrigo da Silva e Lino Karai Mirim da Silva (ES)
Coordenações regionais
RS / Patrícia Ferreira e Tita Acosta (Regional Kunhangue do RS); Sandro da Silva e Marcelo Acosta Timóteo (Regional Interior do RS); Helio Gimenez Fernandes (Regional Litoral do RS); Claudio Acosta (Regional BR-290 do RS); Cristiano Dario de Souza (Regional BR-116 do RS); Arnildo Vera Moreira (Regional Metropolitana do RS)
SC / Eunice Antunes e Irineu Ortega Mariano (Regional Litoral Sul de SC); Joni Benites Cartilho e Edenilson Martins Aquiles (Regional Interior de SC); Andreia Moreira e Priscila Gabriel Costa (Regional Litoral Norte de SC)
PR / Lorivan Gabriel e Flávio Timóteo (Regional Litoral do PR); Nilson Karai Tataendy Florentino e Eliton de Oliveira (Regional Centro do PR); Leocinio Gonçalves e Leandra Rete Lopes (Regional Oeste do PR)
SP / Luiza da Silva de Oliveira Para e Mariano Fernando (Regional Litoral Norte de SP);Danilo Benites e Ronildo Amandios (Regional Litoral Sul de SP); Michael da Silva e Clarice Honório Djatxuka Mirim dos Santos (Regional Capital de SP); Timoteo da Silva Verá Potygua e Patrícia da Silva (Regional Vale do Ribeira de SP)
RJ / Rafael Tupã Benite e Mariza Gonçalves Benites (Regional Litoral Sul do RJ); Darci Nunes de Oliveira e Tatiana Para Benite da Silva (Regional Capital do RJ)
ES / Marilda Lyrio de Oliveira e Nicielly Oruê Gonçalves (Regional Litoral do ES); Ruan da Silva Vaz e Vanda de Lima Carvalho (Regional Interior do ES)