Em processo de regularização pela Funai, Terra Indígena é alvo de uma série de invasões iniciadas no último sábado (9/7) e comunidade aguarda providências
por Tatiane Klein (CGY)
Desde o último final de semana, a Terra Indígena Tekoa Ka’aguy Hovy Porã, no município de Maricá (RJ), vem sendo alvo de uma série de invasões por não indígenas, que ameaçam as mais de quarenta famílias que vivem na área.
A primeira invasão aconteceu no sábado (9/7), quando os Guarani encontraram não indígenas abrindo uma pequena estrada na porção onde está localizado o cemitério da comunidade. Segundo testemunhos, ao serem abordados, os invasores informaram estar trabalhando em obras do megaempreendimento imobiliário Maraey.
No próprio sábado, a Assessoria Jurídica da Comissão Guarani Yvyrupa (AJur/CGY) oficiou o Ministério Público Federal (MPF) em Niterói (RJ), pedindo a apuração junto a órgãos como a Fundação Nacional do Índio (Funai), a Polícia Federal, a Prefeitura do Município de Maricá e alertando que, caso a invasão não fosse combatida com rapidez, o risco de uma nova ocorrência era iminente.
Antes de qualquer resposta do MPF, a mesma porção da Terra Indígena sofreu novas invasões nestas segunda e terça-feira (11 e 12/7), com a entrada de operários e equipamentos.
“Cheguei lá, tinha dois rapazes com a roçadeira, já fazendo a picada. Conversei com eles: ‘Vocês estão dentro da área indígena!’. E o rapaz falou pra mim que era o pessoal do resort”, revela uma das lideranças da área, que preferiu não ser identificada. Além dos funcionários, os Guarani chegaram a dialogar com um dos responsáveis pela obra e foram avisados de que se tratava da marcação do terreno para a construção de um hospital, ligado ao empreendimento Maraey, e de que não tinham notícia da existência da Terra Indígena.
Segundo as lideranças, no final do dia de ontem (12/7), a Guarda Municipal havia comparecido ao local, retirando os equipamentos dos invasores e os afastando da área. Procurada pela comunidade, a Prefeitura de Maricá prometeu realizar uma reunião sobre as invasões ainda esta semana.
A AJur/CGY segue acompanhando a situação e tentando mobilizar atores em defesa dos Guarani, como explica a advogada Gabriela Pires: “Pedimos a imediata proteção da comunidade contra a invasão do seu território, a apuração da relação dessas invasões com o projeto Maraey, além de explicações sobre o licenciamento ambiental do empreendimento e a sobre a regularização fundiária dessa terra – que ainda não foi finalizada pela Funai”. A Funai segue silente e não retornou nenhum dos contatos feitos pela própria comunidade.
Terra sem males?
A TI Tekoa Ka’aguy Hovy Porã é uma reserva indígena em processo de regularização pela Funai desde 2009, quando foram iniciados estudos antropológicos para a eleição da área. Mesmo com a tramitação do procedimento há mais de uma década na FUNAI e acordos com o município de Maricá, os Guarani ainda hoje aguardam a demarcação dos 93 hectares que habitam. “A gente está querendo saber: vai ter a demarcação dessa terra ou o que é que vai acontecer?”, questiona uma das lideranças da área.
Os relatórios, produzidos por antropólogos e por técnicos do próprio órgão indigenista, dão conta de um longo histórico de ameaças e agressões à comunidade. Além de ser sobreposta à Área de Proteção Ambiental (APA) de Maricá, a TI enfrenta também a pressão de empreendimentos, como é o caso do projeto Maraey, um complexo de hotéis e condomínios de luxo nos entornos da Lagoa de Maricá.
O megaempreendimento do setor hoteleiro, cujo nome faz referência à noção guarani de “terra sem males”, já vem impactando a vida dos Guarani em Maricá. “Eles falam que foi aprovado o resort. É uma coisa muito triste, porque o nosso cemitério é muito sagrado. E foi avisado [que é Terra Indígena], mas eles não obedeceram: pisaram em cima do cemitério!”, denuncia uma das lideranças guarani.
“Tendo ou não relação entre si, essas obras e invasões são ilegais”, sustenta Gabriela Pires, da AJUR/CGY, que já solicitou ao MPF a fiscalização do caso, por desrespeito ao direito de consulta livre, prévia e informada das comunidades e pela não realização do estudo do componente indígena no processo de licenciamento ambiental, como manda a legislação brasileira.