Assessoria de Comunicação da CGY
Comunidades guarani no Sul e Sudeste do país enviaram uma carta ao novo governo federal pedindo a retomada de 70 processos de demarcação de Terras Indígenas (TIs) paralisados durante a gestão de Jair Bolsonaro. Os Guarani são o povo com o maior número de áreas que o Estado ainda não cumpriu com sua obrigação constitucional de reconhecimento e demarcação de terras indígenas.
A carta foi elaborada pela Comissão Guarani Yvyrupa (CGY), organização política que articula as comunidades guarani em São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Além dos 70 processos existentes atualmente paralisados, a CGY pede o início de outras demarcações pendentes em áreas ainda sem nenhuma providência da Fundação Nacional do Índio (Funai).
No Sul e Sudeste, os Guarani somam uma população de aproximadamente 25.000 pessoas e habitam hoje 166 terras, destas apenas 39 – 24% do total – , tiveram o processo de demarcação concluído, assegurando a posse plena e o usufruto exclusivo das áreas, conforme garante a Constituição Federal. A maior parte dessa população segue em situação extremamente vulnerável sem o reconhecimento de seus direitos territoriais, que possibilitam mais segurança e melhores condições de vida.
A CGY cita pelo menos 13 terras do povo Guarani que poderiam ter suas Portarias Declaratórias imediatamente assinadas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. São áreas nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná que já tiveram estudos de identificação e delimitação realizados por grupo técnico especializado, relatórios aprovados pela Funai e etapa de contraditório – quando particulares e unidades da federação podem se manifestar – realizada, cumprindo os termos do Decreto 1.775/96, que define as etapas dos processos demarcatórios. O passo seguinte seria a assinatura de Portaria Declaratória, reconhecendo a posse permanente do povo indígena sobre a Terra Indígena e a propriedade da União.
Outras áreas citadas pela carta já passaram pelas etapas de publicação de Portaria Declaratória e aguardam a homologação pela Presidência da República. Há também casos em que, apesar da existência de Portaria Declaratória, a Funai não concluiu a etapa administrativa de demarcação física. A CGY avalia que a homologação será fundamental para garantir a segurança de comunidades em situação de vulnerabilidade. Nesta situação, a CGY cita as áreas Morro dos Cavalos, Piraí, Pindoty e Tarumã, em Santa Catarina.
A CGY cita ainda exemplos de morosidade injustificada da Funai nas ações previstas nos processos de demarcação. Na cidade de São Paulo, a Terra Indígena Tenondé Porã teve um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) homologado em juízo garantindo repasse de recursos pela empresa de energia Furnas para o custeio da demarcação física e indenização dos ocupantes não indígenas de boa-fé. Apesar dessa garantia, a Funai se recusou a seguir com os trâmites para viabilizar o empenho dos recursos e avançar com o procedimento demarcatório.
Em Caçapava do Sul (RS), a morosidade afeta a comunidade da TI Irapuá que aguarda a demarcação física da área. A comunidade aponta que existe o interesse na assinatura de Acordo de Cooperação Técnica, entre Funai e Universidade Federal do Pampa (Unipampa), para disponibilização de corpo técnico e equipamentos necessários. Para seguir com esta etapa, a Funai precisaria garantir apenas o marco físico e o deslocamento de um servidor para acompanhamento dos trabalhos.
A carta da CGY cita ainda diversos outros casos de aldeias guarani com demandas de reconhecimento da ocupação tradicional para as quais a Funai ainda não tomou nenhuma providência. Em muitos casos, são comunidades abrigadas em acampamentos em beiras de estradas, constantemente ameaçadas de despejos indevidos e violentos, ou então em contexto de hostilidades e agressões por particulares das vizinhanças.
Como exemplos de áreas ainda sem grupo de trabalho da Funai para identificação e delimitação como terra tradicional, a CGY cita a retomada na aldeia Karandaty, no município de Cachoeirinha (RS). A comunidade vem sofrendo nos últimos meses, pressão externa de terceiros particulares e também do poder municipal de Cachoeirinha. Os últimos episódios ocorridos na área da retomada envolveram seguranças particulares armados ameaçando os indígenas ocupantes da área.
Em situação parecida, a carta cita a aldeia Arandu Mirim, em Paraty (RJ), habitada atualmente por cerca de 30 pessoas, sem acesso à energia elétrica, sistema de telefonia e acesso aos serviços básicos.
Outra região considerada de maior urgência pela CGY é o Oeste do Paraná, onde mais de 6.000 Avá-Guarani, que foram expulsos no processo de construção da UHE Itaipu Binacional, aguardam há mais de 30 anos pelo reconhecimento de seus direitos. Na região, a Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá teve o processo de demarcação anulado ilegalmente pela própria Funai. Outra área reivindicada na região, a TI Tekoha Guasu Ocoy Jakutinga ainda não teve sequer estudos realizados.