Por Comissão Guarani Yvyrupa
Excelentíssimos ministros,
Nesse momento político tão difícil, enquanto estamos pisando no chão da maior mobilização indígena no país, que tanto nos encoraja, escrevemos para compartilhar reflexões do povo Guarani. Com elas esperamos poder sensibilizá-los e fortalecer a luta pelos nossos direitos, garantidos constitucionalmente.
Recebemos com tristeza e indignação a decisão do ministro Gilmar Mendes que permite que a Lei 14.701/2023 siga vigente, deixando de determinar a sua suspensão. Essa lei tenta restabelecer a derrotada tese do marco temporal, colocando em risco a demarcação de nossas terras e legitima as violências que sofremos ao sermos delas expulsos. Já estamos sentindo seus efeitos perversos a entravar o reconhecimento dos nossos territórios e atacar as nossas vidas.
Esta noite estivemos em vigília em frente ao Supremo Tribunal Federal, na esperança de que a Corte não se humilhe a ponto de voltar atrás do que já decidiu no julgamento de repercussão geral (tema 1031), quando atestou a inconstitucionalidade do marco temporal.
Muitos daqueles que defendem o marco temporal, inclusive com uso da violência, são os mesmos que recentemente depredaram o próprio Supremo e tentaram um golpe de estado – o grupo paramilitar Invasão Zero é um expoente de tais setores anti-indígena existentes na sociedade. É inaceitável que o STF abra mão de seu papel de guardião da Constituição, cedendo à pressão de grupos antidemocráticos e interessados na exploração econômica dos territórios tradicionais a todo custo e na devastação do nosso mundo.
Nós, povos indígenas, estamos atentos, e vamos derrotar o marco temporal tantas vezes quanto for necessário. E vamos enterrar junto com ele todas as ameaças às nossas terras. Vamos protegê-las da mineração, do arrendamento e do esbulho. E assim garantir a floresta em pé, para que a gente possa sonhar o futuro.
Vimos com apreensão a proposta do ministro Gilmar Mendes de abrir uma conciliação. Nossa vida é inegociável. Nossos territórios são a garantia de futuro para nossas crianças e também para as de todos vocês. É preciso lembrar que nós nunca nos recusamos a conversar. Mas para que uma conversa aconteça, todas as partes envolvidas precisam ter condições de falar e, principalmente, estarmos vivos para isso. Com a Lei 14.701/2023 apontada para nossa direção, a palavra nos é cassada, e não há perspectiva de vida para nossas crianças.
Com a vida em risco, não há negociação possível. A Lei 14.701/2023 precisa ser imediatamente suspensa. Estaremos atentos a cada dia para lembrá-los disso, contando com a sensibilidade de Vossas Excelências.